quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Posteridade

De todos os animais terrestres, os da espécie humana são os únicos que tem consciência da efemeridade da vida. Sabemos logo cedo que, em algum momento indefinido, deixaremos esse plano terrestre. Ou para o descanso eterno, aguardando um juízo final, como crêem alguns, ou para acordar em outra vida, como o querem outros. Mas todos concordam na finitude dessa matéria, embora acreditem na subsistência da alma. Essa cápsula de carne e ossos que envolve nosso espírito um dia vai entrar em colapso. Um dia vai nos deixar ou nós a deixaremos, como queiram.

Diante de tal assertiva, desde os tempos imemoriais o ser humano se preocupa em deixar uma marca de sua existência para as gerações vindouras. Não falo da procriação, de deixar uma prole que apenas leve o nosso nome. Falo de marcas indeléveis de nossa passagem por esta esfera. Nossos bisnetos mal se lembrarão de nós, talvez nem cheguem a nos conhecer. Mais ou menos dez anos depois de morrermos, nossos filhos se esquecerão de como era o timbre de nossa voz. Se não tivéssemos o artifício da fotografia, em pouco tempo sequer lembrariam de nosso rosto.

Assim, em algum momento da história humana alguém pensou nisso, de deixar um rastro, um sinal. E em alguma caverna escura e úmida, empunhando uma tocha, começou-se a grafar sinais e a fazer desenhos que retratavam coisas corriqueiras de seu tempo, e esses desenhos chegaram até nós. Vários são os sítios arqueológicos onde se pode encontrar esses grafismos. Essas pessoas conseguiram sobrelevar-se a própria existência.

Hoje os tempos são outros, a escrita evolui e as maneiras de executá-la também. Só não mudou esse desejo driblar o nosso inevitável sumiço na noite dos tempos. Não escrevemos em cavernas, com lumes em riste, a pictografar paredes de pedra. Diante de uma tela, as letras enfileiram-se sob nosso comando, formando palavras, frases, textos inteiros...

Sabemos que estas linhas não irão tão longe, nem perdurarão por tanto tempo. Mas como é bom o devaneio de se achar que aqui vai a nossa marca na parede rochosa da existência.


3 comentários:

Thonny Hawany disse...

Está aí um achado!!! Este blog é a parede rochosa de sua existência, assim como o meu o é para mim, então é preciso pictografá-lo o máximo que pudermos para deixar nele o nosso rastro e, quem sabe, uma possível contribuição à história do homem na terra. Esse seu texto me fez lembrar duas frases das quais gosto muito: a primeira é o famoso “penso, logo existo” de ReneDescartes e, a segunda, é algo que me deram como tema de uma dissertação no segundo grau: “não deixe que apenas um túmulo represente a sua existência”. Ah, você não imagina o quando viajei diante de tal proposição.... Entendo da mesma forma que não podemos passar por aqui sem pensar para existir. Os que pensam para viver, vivem e morrem em função da vida, os que pensam para existir, vivem e morrem em função da eternidade de si e do outro, o que é mais importante. Mais um texto “show de bola” como diz o meu professor de Direito Constitucional e amigo Fabrício Andrade. Parabéns, Laurindo.

William R Grilli Gama disse...

Teu texto me fez lembrar do Freddie Mercury que após se saber diagnóstico de HIV positivo se trancou em seu apartamento e se pôs a escrever compulsivamente... ele acreditava que poderia estar vivo na obra que deixasse para o depois.

Pode ser que sim... mas quem sobrevive é a boa lembrança que se deixa ou a má fama que se angaria...

Feliz ou infelizmente a vida é finita. Já que é assim, que a nossa história nao se apague no fechar dos nossos olhos, mas vá além até onde a fama nos seja favorável aos ouvidos daqueles que sobre nós ouvem.

Laurindo Fernandes disse...

Obrigado pela visita e pelos comentários. Quanto ao Freddie Mercury, creio que conseguiu seu intuito.