segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Ad eternum



Coisa que sempre me intriga é a hipótese de que um dia viveremos eternamente. Perturbadora. Primeira questão que inevitavelmente me ocorre é sobre o que faremos com todo esse tempo. Eterno seria sinônimo de chatice, marasmo eterno?

As religiões, em sua maioria, têm acenado aos seus pretensos fiéis a possibilidade de viverem para sempre, caso consigam seguir determinada cartilha. Em troca de obediência e alguns trocados, ou muitos, você poderá, ao findar aqui sua existência, ter direito a uma passagem só de ida para as hostes celestiais. Mas tens que seguir a cartilha e é aí que a coisa complica: alguns pecados são simplesmente impossíveis de não se cometer.

Algumas crenças dão conta de que viveremos apenas enquanto espírito, só nossa alma será reciclada, pois nosso corpo é pó e a este há de retornar. Outras afirmam que o duo alma-corpo irá usufruir juntos o prêmio advindo da obediência. São muitos os pontos divergentes, exceto um: eternidade.

Estamos fadados a ela, bradam as religiões. Nos espera com seus lábios entreabertos, sedentos de nossa presença. Um dia estaremos cara a cara. Seja só conteúdo ou também continente, um dia nossos caminhos se cruzam. O que fazer com ela quando esse dia chegar? Assim na terra como no céu? Seremos recolocados em nossas antigas funções e continuaremos camelando infinitamente?

Eu não me ocupava com estas conjeturas. Não me assombrava este fantasma que agora arrasta correntes pelos cômodos de minha cabeça. Eternidade o que será? Me aventuro feito uma gota dágua tentando entender o oceano, ou um cego perquirindo a natureza da luz. Mesmo assim, me atiro a esses pensamentos.

Necessário é nessa viagem deixarmos as nossas tralhas, despindo-nos de nosso corpo. Esse amontoado de pele e ossos que nos permite interagir com esse mundo é nos dispensável no outro. Depois buscaremos entender como se processaria essa eternidade, partindo de nossa compreensão de tempo.

O tempo, como o conhecemos, só existe aqui no nosso planeta. Tudo em termos de tempo é relativo aos movimentos da terra, da lua, do sol. Um dia, um mês, um ano. Existem frações de tempo infinitesimais usadas na física quântica ou nuclear. Não nos ocupemos delas, pois escapam da compreensão mais comum de medida de tempo.

Temos hora pra tudo. Comer. Dormir. Acordar. Trabalhar. Comemos para manter as energias de nosso corpo. Dormimos para descansá-lo. Acordamos para pô-lo em movimento, ou atrofiamos. Trabalhamos para sustentá-lo. As nossas energias são gastas tentando manter o nosso elo com essa esfera em perfeitas condições. Mas um dia a engrenagem pára, a máquina emperra. Por mais que a azeitemos, um dia pifa. A fruta amadurece, de podre cai. Há de se enterrar bem fundo, que o animal fede.

Agora venha comigo em direção ao infinito. Vamos para fora da Terra, fora de nosso sistema solar, fora de nossa galáxia. Estamos a zilhões de quilômetros dessa bolinha azul suspensa a orbitar uma estrela, e eu pergunto: o que é o tempo? Lembre-se, não podemos nos fiar dos movimentos de nosso agora longínquo sistema solar. Todas as referências que tínhamos não nos servem mais. Esqueça a ciranda centrípeta dos astros. Não precisaremos dormir, logo não precisaremos acordar. Nos alimentaremos da energia dos cosmos ou de outra coisa que o valha.

Considerando a hipótese de que somos almas aprisionadas num corpo, a eternidade seria libertação. Seria conhecer a verdade. Libertar-se é saber a verdade, embora algumas verdades não devam ser ditas.

Aí teríamos eternidade: ausência de tempo. Nada de segundos, minutos, horas, dias... Não pararíamos o tempo, apenas estaríamos a salvo de seus efeitos destrutivos. O tempo não cura, ele corrói, dilacera, maltrata. Desfaz. Fora do tempo, em algum lugar atemporal gozaremos as delícias imperecíveis, que nos acenam lá de onde o tempo é nada. Adeus, esferóide anil. Adeus senhores credores, passem amanhã.

Mas pode guardar as giletes que isso aqui não é um convite ao autocídio coletivo, antecedido pela a promessa de nos encontrarmos em algum lugar paradisíaco no universo. Nem vai parar de comer, dormir, acordar, trabalhar... que é isso que temos agora. 

O mais é só especulação de uma mente insone. 


:)





2 comentários:

Fabrício Andrade disse...

Laurindo, não me canso de te elogiar. Seus textos são muito interessantes, muito bons mesmo. Estou muito impressionado com o seu talento. Parabéns!

Laurindo Fernandes disse...

Obrigado pela visita. Que bom que gostou. Volte sempre.