sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Onírico

Era manhã de um dia daqueles em que chove durante a madrugada. Era uma manhã dessas bem amenas. Terra molhada. Reuniu a família, tinha algo a dizer. A esposa ao lado, no mesmo banco de madeira, as crianças no chão. Tivera um sonho. Na verdade, uma revelação. Ele soube. Foi-lhe contado em sonho, neste sonho: morreria.

Não pareceu sério, a princípio. Silêncio, ele olhou para o chão. Depois olhou os filhos. Lágrimas nos olhos. A voz não saiu, as mãos tremiam. Morreria. Às suas lágrimas se juntaram outras lágrimas. Esposa. Filhos. Morreria.

Falou o sonho.

- Estava em um lugar muito bonito. Uma névoa. Muita luz. Bonito o lugar. A princípio não via nada. Depois ouvi alguma coisa. Uns vultos. Alguém se aproximou. Minha mãe...

Recentemente a avó dos pequenos tinha falecido. Agonizou por alguns dias até que ele chegasse. Quando entrou no quarto onde sua mãe estava, moribunda, ela sorriu. Pela primeira vez depois que caíra de cama, sorriu. Filho, você veio, disse. Em minutos expirou. Sua mão entre as dela, frias e pequenas. Dedos magros, gravetos secos. Esperou-o por dias. Não se foi enquanto não o viu.

- Minha mãe se aproximou de mim. Estava linda ela, toda de luz. Não era tecido sua roupa. Era luz. Perguntei onde estava. Ela não me disse que lugar era aquele, mas disse que eu logo estaria ali com ela. Pediu que eu preparasse vocês. Que eu avisasse...

E pôs-se a distribuir conselhos a todos. À esposa que não se dispusesse dos filhos. Que eles se cuidassem mutuamente. Os mais velhos dos mais novos e estes dos mais velhos. A mãe deveria ser cuidada por todos e a todos cuidar. O saxofone ficaria com o menorzinho.

Estragou a manhã que tinha tudo para ser um belo começo de dia. Estragou a semana. Estragou. Perda total. Irreparável.

Um dia, não muito depois desse em que tivera o sonho, deu uma chuvarada a noite. Uma árvore caiu e seus galhos obstruíram o caminho que ia da casinha à roça. Ele foi passar e quando ergueu a perna para pular os galhos, estourou-lhe a hérnia que a tempo o incomodava. Dor, muita dor. Foi chamado alguém que tinha um carro para que o pudessem levar. O carro veio, ele adentrou-o. Lembrou-se do sonho. Daquele sonho. Disse que não o esperassem. Despediu-se, lágrimas. Mais lágrimas. Não o esperassem. Não ia voltar. Tinha certeza de que morreria.

O motorista ainda tentou brincar:
- Fala bobagem não, que isso não é nada. Rapidinho você estará de volta, vai ver. Hoje em dia tem muito recurso – e ele se foi.

Dali uns quinze dias ele voltou.

Estava morto.


2 comentários:

Thonny Hawany disse...

Eita! Isso é que é polivalência... Com esses três textos vc começa a ditar o conceito do seu blog. Será um espaço dedicado às boas reflexões da vida. Gostei do conto embora haja nele certa morbidez acompanhada de um teor espiritual, mas assim são os contos, assim são os escritores. Imprimem um ponto de vista que se completa no exercício de leitura, por isso, dei-me o luxo de preencher as lacunas de acordo com as minhas crenças e apegos. Bom texto. Já sou leitor assíduo. Voltarei em breve...

Laurindo Fernandes disse...

Muito obrigado, Thonny, seja bem vindo. Li também os comentários que fez nos textos anteriores e fico feliz com a sua aprovação. Espero corresponder as expectativas. Abraços e volte sempre.