quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Circular


Um o sexo: menino ou menina. Menina roupas rosas, menino roupas azuis. Que a menina sente-se de pernas cruzadas, e não mexa lá. Ao menino é permitido sentar de pernas abertas. Olha o pintinho dele, saiu ao pai.

À menina, bonecas, e ao menino, carrinhos. Ao menino, futebol, pipa, capoeira. Menina, ajude a mãe a lavar a louça. Vamos logo com essa vassoura que o pai chega e não vai gostar dessa bagunça. Já arrumou seu quarto então arrume o de seu irmão também.

Tem festinha? Ao menino o refrigerante, à menina os salgadinhos e doces. Alegremente faz bolinhas de brigadeiros orquestradas pela diligente mãe. Olha que prendada essa menina nos saiu, hem. Precisava ver os pastéis.


Ah! que bacana, chegaram ao ensino médio, e o menino tá no time de futebol de salão. A menina é o orgulho da mãe, dá aula na escolinha dominical da igreja. Uma santa essa menina.

Adolescentes agora os dois. Hormônios, puberdade, coisa e tal. Menino tem que pegar por atacado. Cuidem das cabritas que meu bode está solto, papai orgulhoso. Menina, menina, que qué isso de namorar o quê, ainda mais nessa idade. Cheio de sem-vergonhas por aí. Experimenta então, pra ver se não te dou umas boas palmadas. Ainda sou sua mãe, não se esqueça. Filha minha ninguém passa na cara.

O menino deu de beber agora, pode? Esses bailes varam a noite. Ele tem só dezessete. E ainda vai de carro. Sem juízo de tudo, mas não sei quem é mais, se ele ou o pai. Mas tá fazendo carteira já. Dia desses tinha preservativo no bolso do danado. Pegador. Não falei que saíra ao pai?

Uma e meia da manhã, vê se pode. Uma menina até uma hora dessas na rua. Aniversário o cacete. Espera só seu pai saber dessa. Só guaraná é? Vai pro seu quarto agora e só me apareça quando tiver uma desculpa convincente. Onde já se viu, a gente ralando pra dar o melhor pra você e seu irmão. Não quero saber. Quarto já.

Faculdade. Menino direito. Herdará o escritório do pai com toda a clientela. Sem contar o nome já feito na praça. O cara. Professora a menina, já vai pro segundo ano. Professora, sonho da mãe, coitada. Parou de estudar pra casar com o pai. Melhor coisa, minha filha: independência. Não faça como eu fiz e... seu pai tá chegando, depois falamos.

Casados. A filha casou virgem. Orgulho. O menino experiente. Namorador que só ele, vai ser difícil se habituar ao casamento. Mas seu pai não se aquietou quando casou comigo? Então.

Que venham os netos. Muitos. Netos. Ah netos... Menino ou menina. Menina roupas rosas, menino roupas azuis.

4 comentários:

Fabrício Andrade disse...

Laurindo, parabéns de novo. Uma riqueza esse texto. A sociedade é machista mesmo, algo real, incentivado e não percibido.

Fabrício Andrade disse...

percEbido (corrigindo)

Laurindo Fernandes disse...

Obrigado, Fabrício. Fico feliz que tenha gostado do texto. E volte sempre. Abraços.

Laurindo Fernandes disse...

hoje eu diria "pingola" e não "pintinho" kkkk