segunda-feira, 25 de abril de 2011

Entardecer

                                Da varanda olhava a rua, era tarde. Algumas crianças corriam de lá pra cá num ir e vir sem fim. Lembrou-se de seus filhos. A correria e algazarra que tanto o irritavam. Molecada infernal dos diabos. Odiava. As vezes chegava com algum negócio mal resolvido e encontrava a meninada na rua no corre-corre típico das crianças saudáveis. Entrava em casa e chamava os seus, que vinham cabisbaixos sabendo que era pêia na certa. Dava-lhes uma sova das boas. Ora essa, filho meu a essa hora na rua? Mas nem. E a cinta cantava nos lombos dos infelizes.

            Agora, achava graciosa a inquietude das crianças. Também, a essa altura do campeonato, não haveria nada que o pudesse mais aborrecer. O sol se punha, sendo tragado lentamente pela noite. Os anos passaram e os filhos se foram, um para cada lado. A esposa sucumbira à idade e enfermidades várias que a abateram ao longo da jornada. Enfim, só.

            Podia agora pensar que perdera tempo. Se lhe fosse permitido voltar atrás, o que faria? Ah, vai saber. Talvez agisse da mesma maneira. Talvez sofrer não faça as pessoas mudarem. Pelo menos não pra melhor. Por isso chamamos de amarguras da vida aqueles reveses da sorte que em algum momento estalam a mão espalmada em nossa cara. Amarguras, não doçuras. Ora, não há de se querer que o espírito fique doce após ser tomado pelo fel da dor.
           
            Mas era tarde e o sol despencava no horizonte. A gurizada elétrica na rua. Menos um dia na face desta terra. A noite chegou.

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